Tive um chefe que me acusava de ser detalhista demais, de me concentrar em pequenos detalhes que, segundo ele, não iriam influenciar o todo. Sempre contra argumentei defendendo a tese de que o somatório das chamadas pequenas coisas é que provoca a grande crise.
No dia a dia, verificamos exemplos disto. Como a pessoa que descarta um papel, por menor que seja, na rua, sem se dar ao trabalho de guardá-lo até encontrar uma lixeira. Ou aqueles que, mais jovens, ocupam os lugares reservados para idosos nos ônibus e ficam irritados quando estes lembram que é deles o direito de sentar naqueles espaços. Ou ainda homens e mulheres que estacionam seus carros em vagas destinadas especificamente para idosos e deficientes ou gestantes e reagem com agressividade aos que por ventura chamam sua atenção por não serem idosos, deficientes e muito menos gestantes.
Temos também os motoristas que não respeitam a sinalização de trânsito, sejam as sinaleiras, as faixas de segurança ou as proibições de estacionamento, e com isto colaboram para o caos que se instalou em nossas ruas. E muitos ciclistas que preferem circular entre carros ou em cima das calçadas do que utilizar as ciclovias que aos poucos vão sendo criadas.
Haveria muito ainda a relacionar. Mas acredito que tais exemplos mostram que o passar dos anos, ao contrário do que seria imaginável e desejável, nos fez regredir em termos de sociedade. Tornamo-nos, em nossa grande maioria, pessoas amargas, ensimesmadas, descorteses, sem solidariedade, radicais ao extremo na defesa dos nossos pontos de vista, sem respeitar o direito dos demais de pensarem diferente.
Como resultado deste caldo de “pequenos detalhes”, coisas corriqueiras como o exercício do voto ou o comparecimento a um estádio para assistir a um jogo de futebol, antigamente momentos de congraçamento e lazer, se transformaram em ocasiões de alto risco. Partidários desta ou daquela sigla destilam ódio em vez de defender ideias ou ideais, e os torcedores dos nossos dois principais clubes já não podem conviver em um mesmo espaço sob pena de uma grande tragédia com um incalculável número de vítimas.
De minha parte, prefiro o tempo dos comícios políticos, e dos dias de eleição em que correligionários de todos os matizes caminhavam lado a lado sem agressões ou ofensas; e dos grenais em que gremistas e colorados dividiam quase igualitariamente espaços no Olímpico ou no Beira-Rio.
Mas estes talvez sejam outros dois pequenos detalhes.